Finalmente consegui parar pra ver o clássico “Os Trombadinhas”, lançado no começo de 1980 e que tem Pelé no papel principal, fazendo uma grande triangulação com Paulo Goulart e Paulo Villaça, e como roteirista, tabelando com Carlos Heitor Cony. Porque Pelé era assim: mesmo em áreas que fugissem do futebol, ele sempre estava com os grandes – na música, por exemplo, seus pares eram Wilson Simonal, Elis Regina e Jair Rodrigues, nada menos que isso. A direção de “Os Trombadinhas” é de Anselmo Duarte.
Sim, esse é o filme em que Pelé responde, ao ser interpelado se é mesmo o Pelé: “Não, Eu sou o Jô Soares, sua piranha!”. No contexto da cena, Pelé está prestes a desmantelar uma gangue de trombadinhas chefiados por gente grande e a atriz que faz essa pergunta (Ana Maria Nascimento e Silva) é uma das cabeças do movimento.
No filme, Pelé é ele mesmo – o maior atleta que esse mundo já viu. E, na história, ele tem a ideia de ajudar essas crianças entrando para a polícia, na equipe que investiga os roubos que atormentam os cidadãos no Centro de São Paulo. “Os Trombadinhas” se passa na Praça da República, Anhangabaú, Av. São Luis e tantos outros pontos do Centro da cidade que até hoje sofrem com a violência.
Tecnicamente, o filme é sofrível. Tem a estética da pornochanchada, que bombava na época, mas sem sacanagens. Os cortes são bruscos, tem cenas escuras demais. Em compensação, tem perseguição com direito a explosões – devem ter gastado o orçamento nessa cena, inclusive.
As falas se aproximam muito da panfletagem, especialmente quando Pelé fala sobre os problemas das crianças no Brasil. Mas a intenção do filme faz com que a gente se esqueça dessas limitações. Pelé, que muito foi acusado de nunca ter se posicionado politicamente, fez aqui um filme inteiro sobre política, sobre como um país rico deixa boa parte de suas crianças abandonadas e não oferece estrutura para que elas avancem na vida e muitas, sim, acabem caindo na criminalidade. Pelé, aqui, foi panfletário até onde ele conseguia ser e ainda sobra espaço para cenas tocantes, como a em que ele está pensando sobre o futuro das crianças e a câmera fecha nas suas próprias fotos na parede – mais pro fim do filme, teremos uma cena paralela a essa, só que, dessa fez, com fotos de Pelé na parede do barraco onde mora uma das crianças vítima da gangue.
“Os Trombadinhas” vai muito além do meme famoso. É um panfleto, uma denúncia sobre a condição do país. Pode ter lá suas questões técnicas, mas a mensagem é muito maior do que isso. Quando alguém disse que Pelé foi uma pessoa alienada e que nunca lutou pelos seus, vale enviar o link.