Sapatada nele!

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Acho que dois textos que saíram na Folha de S.Paulo de hoje resumem bem o que significam as quase-sapatadas queo Bush levou no Iraque.

Vou tomar a liberdade de reproduzí-los aqui. Primeiro, Clóvis Rossi. Depois, Sérgio Dávila.

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CLÓVIS ROSSI

De havaianas e cúpulas

COSTA DO SAUÍPE – Suspeito que os jornalistas e as jornalistas que estamos na adorável Bahia para cobrir as multicúpulas da América Latina e do Caribe deveríamos usar havaianas.

Talvez nos deixassem ao menos chegar perto dos governantes reunidos na luxuosa Costa do Sauípe, mesmo depois de um jornalista (sic) iraquiano ter atirado dois sapatos na direção do presidente George Walker Bush.

Por falar nisso, o que me surpreendeu no episódio não foi que o rapaz tivesse atirado um sapato, mas que tivesse tempo de sobra para atirar o segundo sapato, ante a catatonia da segurança.

Essa gente inferniza a vida dos jornalistas com mil requisitos. Pede que nos credenciemos com muita antecedência, o que pressupõe que façam uma checagem suficiente para não liberar o crachá para quem usa sapatos suspeitos.

Mesmo assim, isolam os governantes, como aqui na Bahia. Eles ficam em um hotel, claro que o mais luxuoso, ao qual só podemos chegar se eles assim o decidirem e devidamente escoltados. E ainda passamos por verificação do equipamento que levamos, mesmo que seja uma modesto caderno de anotações (sapatos passam sempre).

Quando o entrevistado é o presidente dos Estados Unidos, seja qual for, somos tratados como militantes potenciais da Al Qaeda. Inverte-se a lógica: quando comecei nesta profissão, os jornalistas procurávamos as autoridades. Agora, as autoridades é que nos procuram, mas só quando querem.

Não é que eu goste de falar com elas. Às vezes, é de fato interessante. Mas o que me leva a procurá-las é o dever que elas têm de prestar contas ao público do que estão fazendo nessas cúpulas, homiziadas em “bunkers” inacessíveis.

Somos apenas a ponte entre elas e o público. Não fogem, pois, de nossos sapatos ou havaianas, mas do público.

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SÉRGIO DÁVILA

O resumo de uma era

DE WASHINGTON

Em 9 de abril de 2003, ganharam o mundo as imagens de iraquianos dando chineladas nos pedaços da estátua de Saddam Hussein que havia sido derrubada da praça Firdos (paraíso, em árabe), em Bagdá, e que então rodavam a cidade, num Carnaval de liberdade. Anteontem, os sapatos voadores tinham como alvo o suposto libertador do país, o (ainda) presidente George W. Bush.

Nos quase seis anos que separam os chinelos dos sapatos, o mundo assistiu a ascensão, o auge e a irresistível queda da Era Bush. O ato condenável do jornalista iraquiano Muntader al Zaidi, correspondente do canal Al Baghdadiya, baseado no Cairo, enterra simbolicamente aquele que entrará para a história como o pior presidente dos EUA da era moderna.

Movido por interesses nunca totalmente claros e baseado em inteligência falha -o quão deliberadamente falha a história ainda julga-, Bush livrou o mundo de um ditador sangüinário. Como no pós-11 de Setembro, contava com a boa vontade de parte da população da região. Como no pós-11 de Setembro, desperdiçou-a em meio a desmandos, mau planejamento, interesses torpes.

Esse vai ser o legado de Bush: um presidente a quem a História, com agá maiúsculo, deu três chances de ser maior do que o cargo, a última sendo a crise econômica sem precedentes. Nas três, ele empurrou as oportunidades para debaixo do tapete. Agora, sai não sob vaias, mas sapatadas.

Na etiqueta árabe, agredir alguém com a sola do calçado é uma grande ofensa. Saddam sabia, Bush descobriu anteontem. Que fique registrado que, como estadista, o republicano é amador, mas poucos conseguiriam se desviar dos petardos com tamanha destreza.

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